Casamento é uma loteria, segundo o ditado popular. Mas quando um casal tem filhos com alguma doença, distúrbio ou deficiência, a chance desse casamento ser normal e feliz diminui bastante. A união de pais e mães de autistas é constantemente bombardeada por adversidades que costumam acompanhar os primeiros anos de vida em família com uma ou mais crianças que exigem tanta atenção (tempo, dedicação, energia).
A cada vinte minutos, no mundo, um casal recebe o diagnóstico do TEA (Transtorno do Espectro do Autismo). Sua vida nunca mais será a mesma que era antes de gerarem e darem à luz uma criança com autismo. Um casal que tinha ilusões e planos para seu bebê tão esperado e tão amado. Um homem e uma mulher que não pediram para passar por esse desafio, que talvez nem saibam o que é o autismo, e que podem até mesmo terem visto algum programa de TV abordar o assunto, antes da gravidez, e mudado de canal por não ser um tema interessante, ou que lhes dissesse respeito.
Autismo só acontece com os outros, até que os outros somos nós.
O drama maior, logo após o diagnóstico que o casal recebe para seu filho, tem quatro letras: medo. Medo de um futuro desconhecido. Nessa hora não adianta o argumento de que o futuro é sempre desconhecido, e que a vida é imprevisível para todos. O diagnóstico de qualquer doença, deficiência ou distúrbio sem um prognóstico exato traz medo e ansiedade. Todos os sonhos que sustentam as ilusões de um jovem casal são desfeitos para dar lugar às preocupações imediatas: “o que vai ser da nossa vida com um filho autista?. Nosso filho vai falar? Vai poder ir à escola? O que poderá aprender? Como vai ser sua vida adulta? Ele vai ser feliz?…” Perguntas que o médico não pode responder. Nenhum distúrbio é tão imprevisível quanto o autismo. Um baú de surpresas onde tudo é possível e nada é definitivo.
Talvez seja o autismo a primeira provação pela qual um casal passa na vida conjugal. A primeira dificuldade séria, o primeiro desafio angustiante, sem data limitada, sem garantia de sucesso, sem cura. Quando um filho tem uma doença com previsão de cura, um casal passa por grande transtorno interno, sofre, se preocupa, tem medo. A expectativa da operação e tratamento os mantem fortes e focados no resultado positivo de um futuro próximo. Quando um filho recebe o diagnóstico de TEA, o período de sofrimento e transtorno é contínuo, sem prazo para terminar e sem o conhecimento de que o passar do tempo e a sabedoria adquirida – por causa do autismo – vai fazer milagres.
Um casamento é um desafio enorme. A paixão de duas pessoas que se transforma em amor e companheirismo. Para isso é preciso paciência com os defeitos do ser amado, respeito pela individualidade da pessoa com a qual decidimos conviver eternamente. Uma união conjugal exige uma certa entrega de cada parte. Há sempre momentos em que um ou outro terá que ceder em alguma coisa para manter a relação equilibrada. O equilíbrio é o segredo de um casamento longo e saudável. E como manter o balanço na convivência com um problema tão avassalador quanto o cuidado e educação de uma criança diferente? Um casal que trabalha fora, que tem mais filhos, que mal tem tempo para dar conta de uma família típica (normal)? Onde encaixar namoro, diversão a dois, papo de casal e sexo numa rotina de terapias, consultas médicas, seminários e muita leitura e interação nas comunidades autistas, a fim de aprender algo que possa trazer soluções para as dificuldades da criança?
Como manter o equilíbrio na relação amorosa?
Como redigi no artigo “Mães de autistas – Como manter a sanidade física e mental?”, homens e mulheres, pais e mães de crianças autistas processam o autismo de um modo diferente. Enquanto as mulheres partem para o trabalho de campo, buscando médicos e terapias, os homens podem ter mais dificuldade em processar o autismo, ou passam a trabalhar horas extras para dar à família mais condições de arcar com os exorbitantes custos para os tratamentos da criança com autismo. As diferenças biológicas são um fato, apesar das exceções.
Entender que o/a parceiro/a pode reagir de um modo diferente do próprio é importante para estabelecer uma relação com respeito pelo o que a outra metade do casal sente. Ainda que não se entenda bem por que o/a companheiro/a sente o que sente, há de se respeitar como o outro sente o mesmo problema.
Muitos casais, de pais de autistas adultos, que ainda estão unidos, dizem que o que salvou o casamento foi a confiança no/a parceiro/a, o compartilhamento do sofrimento, e a certeza de que ninguém mais no mundo sente o mesmo que o/a parceiro/a sente. Essa é a única verdade presente na maternidade e paternidade de uma mesma pessoa.
Duas pessoas que tanto amam a mesma criança, querem seu bem. Culpar o/a parceiro/a pelo autismo de um filho é injusto e ineficiente. Se a criança tem autismo, não existe mais razão para culpar ninguém. A culpa não resolve problemas, tampouco beneficia um tratamento. A saúde da família é tão importante quanto a saúde da criança sendo tratada. Ela nasceu e é o ser mais precioso que o casal tem. Cada um pode dar a ela tudo o que ela necessita para crescer feliz e segura, independente do seu grau de autismo.
Uma relação saudável também não é só aquela em que ambos os pais estão se dedicando integralmente à criança, mas não mais a si mesmos. Lembrem-se de quando a criança ainda não tinha nascido. O que faziam? Do que gostavam? O que os fez querer estar juntos para sempre? Não esqueçam deste amor. Dele nasceu o ser humano mais importante da sua vida. Cuide desse amor, preste atenção a ele, elogie, faça um carinho inesperado, um favor, um comentário positivo. Fiquem a sós, sem culpa, sempre que possível. Vai ser bom para relação e para seu filho. Amor se aprende em casa. Nenhuma escola vai ensinar o que seu filho vai vivenciar com exemplos concretos: amor e amizade entre duas pessoas que se respeitam e compartilham tudo.
*Fatima de Kwant é jornalista radicada na Holanda, casada com o empresário holandês, Eddy de Kwant, desde 1985. Os dois são pais de três filhos adultos, entre eles, o autista Edinho. Fatima especializou-se em Autismo, Desenvolvimento & Comunicação em 2010, escreve e corre o mundo palestrando sobre o TEA.
Escrito em: 5 de março de 2018.
Fonte: www.autimates.com/pai-e-mae-de-autista-o-homem-mulher-o-casal