Imaginem um ambiente com cem pessoas. Cinquenta delas afirmam que a cor verde é azul. Estão convictas, ainda que sem comprovação. Quarenta e nove delas não estão convictas, mas duvidam do seu próprio julgamento, pensam enganar-se e optam por seguir a maioria (verde é azul). Aí chega um cidadão que, embasbacado, vê a cor verde e se pergunta como podem 99 pessoas afirmar que aquela cor é azul.
O fato de 99 pessoas escolherem ver o a cor verde como azul, não a torna azul se é verde.
Abraçar o que ainda não compreendemos e tentar entender, sem preconceito, seria uma atitude correta e bastante humana. Nem tudo o que é estranho é errado. O autismo é estranho, mas é errado?
O fato dos neurotípicos afirmarem que o autismo é uma deficiência, não torna um autista menos eficiente. Ainda que seja o pensamento de um contra um milhão.
As pessoas com autismo são muito sensíveis. Sua sensibilidade nem sempre é patente, por isso costumam ser muito incompreendidas. Por muitas vezes não demonstrarem suas emoções (apesar de senti-las), os autistas são considerados frios ou não empáticos. Existem muitos mitos em torno do autismo que devemos examinar com atenção. O equívoco se deve, em parte, a mentes neurotípicas (normais) analisando uma natureza tão diferente das que experienciam.
Quando o autismo entra na família, o que estava tão distante deixa de ser filme de cinema e documentário do Fantástico para tornar-se a nossa realidade. Dali para frente saberemos o que é, de fato o autismo, sem esterótipos. Aos pais a árdua tarefa de inicar uma relação não padrão com aquela criança tão amada. Enquanto o mundo à nossa volta sente pena de nós, devemos refletir se somos mesmo dignos de pena. Em termos práticos muita coisa vai mudar, mas nada que não tenhamos a capacidade de incluir na nossa futura rotina. Em termos pessoais, só vai mudar se deixarmos. Afinal, nosso filho ou filha segue sendo saudável – sempre o mais importante. A mudança vai estar na nossa cabeça. Lembra daquele momento logo após o parto, em que você segurou seu filhote pela primeira vez? Pois é, o amor não mudou. Não deixe um diagnóstico tirar aquela sensação de intensa felicidade. Nosso filho é muito mais do que uma soma de sintomas. Ele tem uma personalidade única, além de todas as qualidades que ainda virão à tona. Quanto mais ele viver, mas iremos amá-lo.
Em se tratando de autismo, todos os pais deveriam usar uma “lente autista” para enxergar sua natureza e poder compreende-la: do que o seu filho gosta? O que ele sente? Por que faz o que faz? Por que sua natureza é menos válida do que a dos neurotípicos? Por que o autismo é considerado um defeito? Por que os autistas têm de mudar o seu comportamento para agradar aos outros, mas os outros não fazem o mesmo para coincidir com as expectativas dos autistas?
É tudo uma questão de perspectiva e atitude.
Pais que colocam estas “lentes autistas” ou que “falam” autismo, sabem mais do que qualquer livro científico poderá explicar.
O ponto de vista científico parte da premissa de que autismo seja uma doença, transtorno ou deficiência. Quem ousar cogitar uma outra probabilidade vai descobrir um mundo novo: um leque de possibilidades numa pessoa que possui características invejáveis – muitas vezes escondidas atrás de um autista não verbal ou, aparentemente, não empático.
O autista é a pérola guardada na ostra. Nem todos irão vê-la ou apreciá-la. Os índios, por exemplo, costumavam jogá-las fora, no passado, para se alimentarem somente das ostras. Assim é o autismo na sociedade moderna. Enquanto pessoas com a mente neurotípica virem somente o lado de fora do autismo, desconsiderando a riqueza interior que a maioria tem, estes serão realmente as “ostras” dentro da mesma sociedade.
É preciso coragem e sabedoria para destacar-se da massa e ousar analisar o autismo sob uma nova perspectiva: a do desenvolvimento paralelo, diferente, porém não menos importante ou contributivo.
As famílias onde vivem um ou mais autistas que fizeram esta escolha – apoiar seus autistas sem preconceito -, são as que têm histórias bem sucedidas para contar. Notem bem que por “sucesso” não me refiro aos autistas com alguma espécie de genialidade ou curso de nível superior. Sucesso, a meu ver, é ser feliz, sentir-se bem e ter a sensação de liberdade.
.Atrás de cada “história de sucesso do autismo” há, pelo menos, um dos pais com uma bela atitude perante a vida. Essa postura consiste, em primeiro lugar, em deixar a tristeza, arrependimentos e sentimentos do tipo “se meu filho não fosse autista…” ir-se embora. A criança está lá e precisa de pais inteiros e bem resolvidos; pais que os amam e com uma imagem positiva de seus filhos e de si mesmos.
As crianças com autismo são incrivelmente inteligentes, não importa em que lado do espectro estão.
As crianças com autismo são altamente sensíveis. Ainda que não possam se comunicar, absorvem tudo o que seus pais vivenciam.
Eles são, por vezes, seres telepáticos e sentem o que seus pais sentem.
A dor dos pais é a dor deles.
A alegria dos pais é a alegria deles.
Pais, deixe que sintam que eles são dignos!
Deixe que saibam que vocês vão aprender tudo sobre autismo, para poder ajudá-los a conseguir se desenvolver.
Deixe que sintam que se orgulham.
Seja feliz, você, para ensinar felicidade para sua criança.
Ainda que não tenha chegado lá, diga ao seu filho que você vai chegar. Seja honesto com quem sempre é honesto com você.
Um carinhoso abraço,
Fátima.
Mãe que aprendeu a “falar” autismo.
Fátima de Kwant é um jornalista brasileira-holandesa, autora do best-seller holandês “Autismo, um presente” e mãe de um jovem autista.
Escrito em 18 de maio de 2017.
Fonte: www.autimates.com/autismo-na-familia-uma-questao-de-atitude